quinta-feira, 29 de agosto de 2013

CAPÍTULO 3 – Me compram, me vendem e me estragam

"Será que ninguém vê o caos em que vivemos? Os jovens são tão jovens e fica tudo por isso mesmo. A juventude é rica, a juventude é pobre, a juventude sofre e ninguém parece perceber. Eu tenho um coração, eu tenho ideais. Eu gosto de cinema e de coisas naturais e penso sempre em sexo, oh yeah! Todo adulto tem inveja dos mais jovens. A juventude está sozinha, não há ninguém para ajudar. A explicar por que é que o mundo, é este desastre que aí está. Eu não sei. Dizem que eu não sei nada, que eu não tenho opinião. E é tudo mentira, me deixam na mão. Não me deixam fazer nada e a culpa é sempre minha. E meus amigos parecem ter medo de quem fala o que sentiu, de quem pensa diferente. Nos querem todos iguais, assim é bem mais fácil nos controlar. E mentir e matar o que eu tenho de melhor: minha esperança. Que se faça o sacrifício. Que cresçam logo as crianças".
                                (Legião Urbana)

  

Devo reconhecer que entre 14 e 18 anos estava na minha melhor fase de beleza. (A palavra beleza posta aqui se refere a estar magra, não ter estragado os cabelos com tanta química e ainda ter um brilho ingênuo nos lábios).
Antes disso, sempre tive sérias discussões com a balança e crises estrondosas em frente ao espelho. Apenas aos 14 anos fui me dar conta que deveria emagrecer para ser uma garota segura. Decidi, a partir da inscrição em um concurso de beleza, que esse era o ideal mais importante a se alcançar. Não apenas para me eleger a garota estudantil, mas para estar em paz com a imagem que refletia.
Conclusão: perdi o concurso, mas de quebra eliminei seis quilos em um mês e ganhei muito mais que isso em amor próprio e menininhos atrás de mim.
Apesar de não me considerar a mais perfeita das mulheres, concordo que existe algo que chama a atenção. Mas acredito serem outros atributos que não meramente os físicos. Talvez simpatia e bom humor escondam celulites, algumas estrias, gorduras localizadas, entre outros tantos defeitos. 
Tenho cabelos loiros, naturalmente lisos e fáceis de cuidar. Pelos claros e finos. Sobrancelha delineada, olhos verdes rajados em tom de mel. Boa altura, boca contornada, pele clara e macia. Quadris largos, seios fartos e rosados e certo charme para esconder as imperfeições. Muito mais que isso, um bom papo e um quê de confiança e cérebro talvez sejam minhas melhores qualidades.
Personalidade forte, orgulho e teimosia foram presentes que me dei, embrulhados com fita de cetim e com o nome de Morgana.
Antes de ser assim, antipática e meio anti-social, o sentimentalismo me dominava e podia sentir as dores do mundo. A ingenuidade era meu maior defeito. Agora já consigo escondê-la e a intransigência tomou seu lugar. Todos me pisavam, davam ordens e eu as seguia. Confiava cegamente, porque não acreditava que o ser humano pudesse ser tão cruel. Amava e me entregava totalmente.
Era carinhosa, passiva (e não me refiro apenas à cama) e humilde. Preferia viver num conto de fadas e pensar que um dia seria feliz para sempre. Enfim, acordei e decidi que não seria mais a gata borralheira e me tornaria Cinderela bem antes de perder o sapatinho de cristal e encontrar um príncipe encantado.
Cansei de lamentar as roupas e sapatos de marca que não tive. As boas escolas que não estudei, os carros que nunca andei, a casa que minha família nunca teve. Os barzinhos caros da moda que não frequentei, a geladeira cheia que nunca vi, a mesada que nunca ganhei. As viagens de férias que nunca fiz, os cursinhos de inglês onde nunca me matricularam e a faculdade de jornalismo que depende do meu suor para pagar.
Passei a agradecer por ter roupas e sapatos, quaisquer que fossem. Por poder estudar, mesmo que em escola pública, enquanto tantos pais dormem dias em filas para conseguir uma vaga para seus filhos. Por poder andar, respirar, ter um teto, mesmo que não seja meu, mas que não deixa de me abrigar. Por ter um alimento na mesa todos os dias, pelos sentidos perfeitos e principalmente por ter saúde e inteligência para conseguir tudo que almejo.

Deixei de ser a adolescente revoltada e alienada e passei a ver a vida com olhos maduros e frios, mas realistas. Confesso que isso trouxe alguns desenganos em perceber que meu mundo não era colorido como achava que fosse. E as pessoas não eram incríveis e necessárias como fazia questão de considerá-las. E com tão pouca idade, percepções tão sutis vão acinzentando a sua vida e tornando-a um tanto quanto melancólica demais.

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