sábado, 1 de dezembro de 2012


Meu pai queria um menino, mas me chamo Amanda e isso não ficou bem resolvido na cabeça dele. Eu era um embrião e não sei até que ponto os beijinhos dados na barriga de mamãe, com elogios posteriores ao garotão do papai podem ter me atingido. De qualquer forma, se enquadra como argumento para ilustrar meu lesbianismo atual.
Seguiram-se os meses. O médico se aproximou dele na sala de espera:
- O bebê nasceu e é uma garotinha.
Posso imaginar a cara de decepção que tentou disfarçar ao entrar no quarto e entregar as flores para minha mãe. Quem iria acompanhá-lo nas peladas de futebol? Quem se sentaria à mesa com ele, beberia cerveja e falaria sobre assuntos banais, desse tipo que os homens adoram? Quem iria levar adiante suas características de macho machista?
Se soubesse meu sexo antes, poderia ter reconsiderado a proposta do meu avô materno:
- Não precisa se casar com a minha filha. Onde comem onze, comem doze. Eu crio o bebê!
Mas agora já era tarde. Eu estava chacoalhando no ventre quando decidiu entrar na igreja, de terno e gravata, e dizer mentiras na frente do padre. Jurou amá-la na alegria e na tristeza, na saúde e na doença e todas essas baboseiras que se impõem numa cerimônia religiosa. Alguns choramingam, outros sentem pena do enforcamento. No final não passa de mero teatro sem motivos para aclamação.
Para mim, o pior foi ter prometido que seria até que a morte os separasse. Já se foram 18 anos e não fui a nenhum velório.
Para o resto da família paterna eu também não era uma novidade. Meu tio já tinha duas filhas para que minha avó e minha tia emperiquitassem e ensinassem a ser verdadeiras damas. Não precisavam de mim para suprir esses desejos. Fala sério! Um menino seria o ideal para completar o ciclo de netinhos. Mas não! Eu estava lá para atrapalhar os planos e não ser nem uma coisa nem outra. Nem o garotão almejado, muito menos a garotinha delicada, sensível e cópia das minhas primas.
Às três horas da madrugada, daquele dia 12 de março, depois de ter feito minha mãe sofrer desde as 10 da manhã e ter demonstrado pela primeira vez minha teimosia, chorei. Escolhi que não nasceria de parto normal. Devo ter me assustado com aquele canal estreito e não dilatado por onde queriam me passar. Alguém espaçosa não poderia vir ao mundo se apertando, mesmo se a alternativa viesse a cortar a carne daquela que mais amo no mundo.
 Cesariana e meu rosto sujo com seu sangue. Mal ela sabia o quanto ainda sagraria por minha culpa.
Por mais uma ironia, a maioria dos dedos que apontavam em minha direção, afirmavam que eu era a cara do papai. Não que isso me traga algum orgulho. Se tem uma coisa que não suporto é que me comparem com ele, mesmo que apenas fisicamente.

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